Para atuar na profissão, jogadores de futebol lidam com questões que vão além das quatro linhas. Rotina e compromissos com o clube, exposição midiática, cobranças internas e externas, alémdo desempenho dentro de campo, são tópicos constantes na vida de um atleta. No entanto, outro assunto, por muitos anos considerado tabu no universo futebolístico, tem ganhado espaço para ser discutido e encarado publicamente: saúde mental.
No início de setembro,Tchê Tchê, do Botafogo,falou sobre seu diagnóstico de depressão, em texto divulgado pelo portal The Players Tribune, especializado em relatos de atletasem primeira pessoa. Na narrativa, o volante descreveu como a doença afetou sua passagem pelo São Paulo, entre os anos de 2019 e 2020.
“Começou com uma dor de estômago. Fiz uma endoscopia e os médicos viram que estava tudo vermelho, bem mal. Uma gastrite nervosa, nervosíssima. Na sequência foi chegando uma tristeza esquisita, meio fora de hora e de lugar. Eu me sentia pra baixo, mas, como não tinha motivo nenhum praquilo, deixava pra lá achando que logo ia melhorar. Não melhorou.A tristeza me engoliu“, descreveu Tchê Tchê.
“Eu levantava de manhã pra ir treinar, mas não tinha vontade. Nem de treinar, nem de jogar, tá ligado? Fui ficando sem ânimo pra fazer as coisas, não queria sair de casa.O sofá e o colchão da cama me sugavam como se fossem areia movediça. Eu só afundava e chorava“, completou.
No entanto, o volante de 30 anos não é o único atleta que já falou abertamente sobre a depressão. Adriano, ex-atacante conhecido como Imperador, atravessou momentos difíceis na carreira por conta da doença. Cicinho, ex-lateral direito e ídolo do São Paulo, também já falou publicamente sobre problemas que enfrentou com depressão e álcool, equanto defendia a camisa do Roma.
De acordo com dados do Instituto do Bem Estar, uma em cada três pessoas sofre com ansiedade ao redor do mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS), considera a depressão como o “mal do século XXI” e apontou, em estudo científico divulgado em março de 2022, que a pandemia de COVID-19 desencadeou um aumento de 25% da doença na população mundial, fato que expõe a necessidade de políticas públicas voltadas ao combate de doenças e transtornos acerca da saúde mental.
Outros exemplos de atletas cujaluta contra questões de saúde mental veio à tona, são os deNilmar (ex-Internacional), Ronaldo Fenômeno (ex-Corinthians),Thiago Ribeiro (ex-Cruzeiro), eo ex-meia Pedrinho (ex-Vasco). Nos últimos anos, o número de atletas profissionais que abrem ao público a respeito de suas batalhas, tem aumentado – movimento que contribui para que o assunto deixe de ser um tabu no mundo do futebole torne-se uma discussão, com o objetivo de concientizar e prevenir a população.
A Federação Internacional dos Futebolistas Profissionais (FIFPro) realizou umapesquisa, em 2016, sobre saúde mental de jogadores profissionais. O resultado apontou queaté 9 de 25 atletas podem sofrer com ansiedade, depressão e angustias profundas. Ainda de acordo coma pesquisa, 95% acreditam que os sintomas interferem no desempenho, 65% disseram sentir que a carreira já foi prejudicada por isso e 84% afirmaram não terem suporte adequado. Em estudo mais recente, a instituição revelou que, durante a pandemia do coronavírus, houve um aumento no número de atletas – homens e mulheres – que apresentaram sintomase depressão e/ou ansiedade.
O ex-atacante Nilmar revelou que a causa fez com que o atleta pendurasse as chuteiras, por não se sentir mais apto a praticar futebol.“Quem viveu isso sabe o que eu estou contando. Eu só chorava. Todos os sintomas que vocês puderem pesquisar, eu vivi; insônia, eu não conseguia dormir […] Você não consegue sair, por mais que você lute, mais triste você fica, mais angústia… Só quem enfrentou, quem viveu próximo a isso, e o atleta profissional tem essa imagem de ser um super-herói“,relatou em entrevista ao Esporte Espetacular.
Adriano, também em escrita para o The Player’s Tribune, falou sobre como se sentiu após a notícia da morte do pai, além de retratar questões sobre a carreira profissional.“Eu estava do outro lado do oceano na Itália, longe da minha família, e não conseguia lidar com tudo aquilo. Fiquei tão deprimido, cara. Comecei a beber muito. Eu realmente não queria treinar […]”, descreveu.
Para receber o diagnóstico, é necessário acompanhamento profissional, que levará em conta sintomas psíquicos, fisiológicos e as evidências no comportamento. Um dos sintomas que mais evidenciam o quadroé perda de prazer em atividades e a redução de interesse pelos ambientes em que frequenta, a exemplo dos casos já citados de Nilmar, Adriano e Tchê.
A respeito do tratamento,a psicoterapia é constantemente indicada e, conformeo caso, o uso de medicamentos também se fará necessário, no entanto,apenas com orientação profissional. Atletas que exporam a situação enfrentada publicamente,já salientaramcomo psicólogos os ajudaram a se reerguer e superar momentos complicados, ressaltando que pedir ajuda não é um problema, e sim a solução para cenários como este.
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