Neste Halloween (31), teremos um clássico pouco conhecido no Brasil, mas um dos principais confrontos de La Liga. A Real Sociedad recebe o Athletic Bilbao na Reale Arena. Grandes rivais, as equipes representam uma região pequena no norte da Espanha, marcada pelo forte nacionalismo e por amor às suas raízes: o País Basco.

Mikel Oyarzabal e Iñaki Williams: Jogadores são os craques de suas equipes dentro do País Basco (Arte: Lucas Silva)
Mikel Oyarzabal e Iñaki Williams: Jogadores são os craques de suas equipes dentro do País Basco (Arte: Lucas Silva)

Um pouco de história

O País Basco (País Vasco, em castelhano) é uma das 17 comunidades autónomas da Espanha, localizada ao norte. Seu território histórico constitui na junção dos territórios do País Basco e de Navarra, além do País Basco francês, parte do departamento dos Pirenéus Atlânticos. Este conglomerado equivale a 20 mil km², com cerca de três milhões de habitantes, sendo um terço se identificando como bascos.

De acordo com Estrabão, a região histórica do País Basco foi ocupada pelos vascões no século I a.C. É durante esse período que a conquista romana da região é realizada pelos romanos. Lá, Pompeu fundou a cidade de Pamplona, capital histórica do País Basco.

Posteriormente, o Reino de Navarra foi fundado no século IX. Por conta de conflitos internos, a parte sul de Navarra foi conquistada por Castela no século XVI, tornando-se parte da Espanha. A parte norte francesa foi absorvida por Henrique V, rei de Navarra e herdeiro do trono francês. Por isso que hoje, parte do território histórico basco é de posse francesa.

O Sul foi assimilado por Castela dentro de uma identidade castelhana: privilégios mercantis e o reconhecimento dos costumes bascos eram cedidos em troca de lealdade à Coroa. A relação mudou a partir do século XIX, quando Alfonso XII, acabou com a autonomia basca, surgindo os primeiros movimentos e figuras nacionalistas.

No contexto do nacionalismo basco, surgia o Athletic Club de Bilbao. Criado em 1898 por trabalhadores ingleses, o Athletic é um retrato de muita luta e resistência. O time é conhecido pela sua regra de contratações para jogadores. Oficialmente, desde 1919 o clube aceita jogadores que são nascidos ou desenvolvidos em terras bascas ou com descendentes bascos.

 

A tradição ligada ao futebol

Los Leones eram um clube destaque no início do século XX. Tanto é que, inspirou a criação de uma “filial” do clube basco em Madrid e em 1903, nascia o Atlético Club de Madrid. Ambos os clubes adotaram as mesmas cores, o vermelho e branco até 1911, quando os madrilenos aderiram à cor azul no uniforme.

A consolidação da regra de jogadores veio durante a ditadura de Francisco Franco. Franco era contra todo e qualquer tipo de estrangeirismo, tanto que o Athletic precisou virar “Atlético Bilbao" em 1941. O País Basco viu seu nacionalismo suprimido, assim como a sua própria identidade, com repressão à língua e outros símbolos da região.

Na história, houve raros registros de atletas nascidos no exterior com vínculos bascos. O primeiro “estrangeiro” foi o brasileiro Vicente Biurrun, que atuou entre 1986 e 1990. Outros exemplos são dos franceses Bixente Lizarazu (1996-1997) e Aymeric Laporte (2012-2018) e do venezuelano Fernando Amorebieta (2005-2013).

Entretanto, a recepção a jogadores negros foi determinante para a diversificação do clube. O zagueiro Jonás Ramalho foi o primeiro a atuar no Athletic em 2011. Já em 2014, foi a vez do atacante Iñaki Williams, primeiro negro a marcar um gol com a camisa do Athletic, em 2015. Mais recentemente, o irmão de Iñaki, Nicholas Williams, vem recebendo oportunidades na equipe profissional.

O Athletic Bilbao é o quarto maior campeão de La Liga com oito títulos e o segundo maior campeão da Copa do Rei, com 23 taças. Além do mais, é um dos três (junto de Real Madrid e Barcelona) que nunca foram rebaixados. Um de seus maiores trunfos são as suas canteras (as categorias de base). Tanto é que Lezama está entre as principais categorias de base do futebol espanhol.

A rivalidade

Em mais de 110 anos de rivalidade, o Euskal Derbia acumula grandes histórias e jogos marcantes. A disputa dos dois times parte da rivalidade das cidades: Enquanto Bilbao é um centro industrial de forte economia, a Real Sociedad vem de San Sebastián, cidade referência no turismo. Ao todo, são 169 confrontos, com 68 vitórias para o Athletic e 57 para a Real.

Foi durante a ditadura espanhola que Leones e Txuri-urdi, no período tão importante da história da Espanha, se apegaram ainda mais à política de limitar seus elencos a jogadores nascidos ou com origem no País Basco. Era uma maneira de manter a representatividade em anos de chumbo. Embora, a Real Sociedad permitiu a entrada de estrangeiros a partir de 1989 e, na temporada 2006/2007, foi rebaixada.

Quanto à rivalidade com a Real, o orgulho basco une as duas torcidas e os clubes se unem para defender as tradições regionais. Por esse motivo, os confrontos são sempre marcados por manifestações a favor do separatismo e valorização da cultura basca.

Uma história curiosa marca bem isso: em 5 de dezembro de 1976, os capitães de Athletic e Real entraram em campo carregando a ikurriña, a bandeira do País Basco. José Ángel Iribar e Inaxio Kortabarría, entretanto, cometeram um ato proibido naquele momento. Embora representasse o sentimento da região, a bandeira também era relacionada ao grupo terrorista ETA. Por isso mesmo, o governo havia banido o símbolo e o tornado ilegal.

Recentemente, tivemos a histórica final da Copa do Rey de 2019/20 envolvendo as duas equipes. O confronto foi adiado para que houvesse a presença de público, mas teve de ser realizado com portões fechados por causa da pandemia. No dia 03 de abril de 2021, a Real venceu o jogo por 1 a 0.

Dentro de campo, há muita história envolvendo os dois clubes, com vários personagens presentes. Fora de campo, as duas equipes mostram união em valorizar a região que amam e defendem com unhas e dentes. O futebol no País Basco é atrelado a uma luta por autonomia e respeito a sua identidade.