O futebol brasileiro mudou após a criação da Copa do Brasil?
Para muitos, o futebol brasileiro atendia a interesses políticos durante os anos de maior inchaço de clubes nas competições de elite. Antes da Copa do Brasil (entre os anos 1970 e 80) o Brasileirão ainda se consolidava como maior torneio do país. Mas havia uma grande desorganização no sistema que dificultava a modernização do esporte.
A começar pelo formato do torneio e pelo número absurdo de participantes, o futebol brasileiro foi tomado pelas relações obscuras entre governo e federações estaduais. Vagas eram concebidas a estados por acordos extra-campo e para angariar popularidade nos locais onde a Arena (partido único que comandava o país durante a Ditadura Militar) ia mal.
Por este motivo, surgiu o lema “Onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional”. Portanto, era difícil que o campeonato fosse desportivamente levado a sério enquanto essas questões permeavam a disputa. Basta recordar que, nos anos 1970 e 80, houve um momento em que mais de 90 times disputaram o Brasileiro. Felizmente, esse momento foi superado.
A solução para o inchaço
Para contemplar os times dos estados menos abastados e que competiam sem a mesma força dos grandes centros, a Copa do Brasil foi criada, em 1989. Era um momento no qual já se fazia uma transição de modelo no Brasileirão. Se a ideia fosse ter um torneio de mata-mata amplo e democrático, a Copa serviria. A decisão veio a calhar, uma vez que o Brasil nunca teve exatamente uma competição eliminatória em paralelo à sua liga.
A partir desse momento, foi mais fácil seccionar o Brasileirão e organizar as divisões de maneira justa e lógica. Além disso, o futebol deixava de atender a interesses políticos, ao menos não de forma direta. Ajudou, claro, que o Brasil se redemocratizava de 1985 em diante, até a assinatura da sua nova constituição federal, em 1988.
Mais atenção ao interior?
De imediato, o que se viu foi uma participação ampla de todos os estados na Copa do Brasil, sobretudo nos jogos contra os grandes do país. Isso permitiu que as torcidas menos favorecidas pudessem ver ao vivo os grandes craques em ação, valendo vagas.
Com o passar do tempo, as equipes menores foram se adaptando ao formato e fazendo preparações fortes para ir longe. Sendo assim, vimos Criciúma, Goiás, Ceará e Juventude em decisões durante os anos 1990. Equipes que eram fortes em seus estados, porém sem glórias e relevância no âmbito nacional. Destes, o Criciúma e o Juventude saíram campeões e ganharam vagas para a Libertadores.
Nos anos 2000, o fenômeno se tornou mais comum quando Santo André e Paulista, ambos do interior e disputando a segunda divisão, se sagraram campeões contra Flamengo e Fluminense nos anos de 2004 e 2005. Antes disso, o Brasiliense havia sido finalista em 2002, contra o Corinthians.
Mudanças no calendário
A implicação da Copa do Brasil no calendário também foi importante, embora colabore para uma sensação de estafa dos elencos. Dado o fato de que a organização para os Estaduais não foi alterada de forma sensível, os times de topo do país acabam ultrapassando mais de 70 partidas, cerca de 15 a mais na comparação com equipes europeias.
O número exorbitante de datas não se deve à Copa do Brasil, que possui formato eliminatório e inclui os clubes que estão na Libertadores apenas a partir da terceira fase. Enquanto isso, os menores lutam desde a primeira para avançar, nutrindo um sonho de glória. Por exemplo: uma equipe que entra na terceira fase precisa de 10 jogos para o título. Quem joga desde o começo, tem apenas mais dois jogos, únicos, para permanecer na disputa.
Assim sendo, o efeito colateral principal da mudança causada pela Copa do Brasil é mesmo o Brasileirão: abandonando o formato eliminatório, a liga passou a ser mais justa e se adaptou ao modelo europeu com 20 clubes, de 2003 em diante, reduzindo os participantes anualmente. Mais valorizado e com bom nível técnico, o Brasileirão reina absoluto, mas quando se fala de mata-mata, o povo já tem na ponta da língua o seu favorito: a Copa do Brasil.