As fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em maio de 2024 atravessaram o futebol e transformaram completamente a rotina do Grêmio. Ao todo, 478 das 497 cidades do estado foram afetadas por alagamentos, inundações e deslizamentos. O impacto chegou diretamente ao dia a dia do clube e, em especial, do futebol feminino. Em entrevista ao Lance!, a técnica Thaissan Passos relembrou como o fenômeno climático rompeu qualquer planejamento esportivo. Segundo ela, a realidade imposta exigiu respostas humanas antes de profissionais.

Thaissan contou que o time retornou ao estado logo após uma partida fora e se deparou com um cenário dramático. “A gente joga contra a Ferroviária, chega no Rio Grande do Sul e vê a água subindo. Em menos de três horas, pessoas pedindo socorro”, relatou. O contraste com o momento anterior ainda estava vivo na memória da treinadora. Duas semanas antes, o Grêmio havia jogado com estádio cheio e clima de celebração. Pouco depois, a realidade era de perdas e desespero generalizado.
O impacto emocional ficou ainda mais forte com relatos de torcedores e pessoas próximas ao clube. Thaissan lembrou encontros que simbolizam a dimensão da tragédia vivida no estado. “Dois ou três torcedores que estavam naquele jogo me encontram na Uber e falam: ‘Pô, me ajuda, eu não consigo achar minha família, eu perdi tudo’”, contou. Situações como essa mostraram às atletas que o futebol havia perdido momentaneamente sua centralidade. A prioridade passou a ser o cuidado com o outro.
Mobilização fora das quatro linhas
Com centros de treinamento interditados e logística comprometida, o Grêmio feminino se reorganizou para atuar além do esporte. Comissão técnica e jogadoras se envolveram diretamente em ações solidárias, como arrecadação e distribuição de doações. O grupo também visitou abrigos e promoveu atividades com crianças que haviam perdido suas casas. A rotina de treinos deu lugar, muitas vezes, a tarefas humanitárias. O futebol passou a ser instrumento de apoio e presença social.
Dentro do clube, o impacto emocional foi profundo e imediato. Muitas atletas lidavam com perdas pessoais, familiares desalojados e incertezas sobre o futuro. A comissão técnica precisou adaptar cargas de treino e a própria comunicação com o elenco. Manter o grupo unido tornou-se prioridade absoluta. O vestiário virou espaço de acolhimento, escuta e apoio mútuo em meio ao caos vivido fora dele.
Mesmo diante de um cenário extremo, o Grêmio tentou manter suas atividades esportivas. Sem condições ideais de trabalho, o time voltou ao Brasileirão Feminino sustentado por um forte senso coletivo. Para Thaissan, a experiência fortaleceu os laços entre as atletas e deu um novo significado à competição. “As atletas foram fenomenais. A Pri Back, a Vivi, a Dani Barão eram meninas que não dormiam”, relembrou. Segundo ela, havia um sentimento de culpa por descansar enquanto outras pessoas precisavam de ajuda.
Emoção, acolhimento e resiliência
A passagem pelo Rio Grande do Sul durante um dos períodos mais difíceis de sua história recente deixou marcas profundas. Para Thaissan Passos, o episódio reforçou a dimensão social do futebol e o papel dos clubes em momentos de crise. A solidariedade, naquele contexto, tornou-se parte essencial do jogo. Mais do que resultados, o que ficou foi o aprendizado sobre empatia, responsabilidade coletiva e humanidade dentro e fora de campo.