O histórico estádio de São Januário está interditado pelo Ministério Público desde o dia 23 de junho de 2023, após uma confusão entre torcedores do Vasco e a polícia, consequente de uma derrota do Cruz-maltino para o Goiás, por 1 a 0. No ocorrido, o Clube foi punido a cumprir quatro jogos em casa com os portões fechados, ou seja, sem a presença da torcida.
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Após o cumprimento da punição, no entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu, no dia 30 de agosto, manter a interdição de São Januário para torcedores. Nas redes sociais, o relato do juiz Marcello Rubioli, que estava de plantão no Juizado Especial do Torcedor e Grandes Eventos durante a partida contra o Goiás, viralizou.
“Para contextualizar a total falta de condições de operação do local, partindo da área externa à interna, vê-se que todo o complexo é cercado pela comunidade da Barreira do Vasco, de onde houve comumente estampidos de disparos de armas de fogo oriundos do tráfico de drogas lá instalado o que gera clima de insegurança para chegar e sair do estádio. São ruas estreitas, sem área de escape, que sempre ficam lotadas de torcedores se embriagando antes de entrar no estádio“, diz o relatório do juíz, considerado pelo Ministério Público para a decisão da interdição.
Violência para além da Barreira
Todavia, um levantamento realizado pelo aplicativo Fogo Cruzado, mostra que a realidade apontada por Rubioli, reverbera por todos os estádios da cidade do Rio de Janeiro. De acordo com a pesquisa, foram 22 registros de tiroteio nos arredores de São Januário em 2023, mesma quantidade de ocorrências próximas ao Maracanã. O estádio Nilton Santos, por sua vez, aparece com 16 casos.
Outro levantamento, desta vez realizado pelo Globo, também na plataforma Fogo Cruzado, mostra que, desde 19 de setembro de 2021, quando o Vasco voltou a mandar jogos com torcida, após a pandemia da Covid-19, apenas 14 dos 4.057 relatos (ou seja, 0,35%) de tiroteio no Rio de Janeiro aconteceram na Barreira do Vasco, comunidade alvo do relatório de Rubioli.
Por outro lado, levando em consideração toda a cidade, entre janeiro e fevereiro de 2023, o Rio de Janeiro apresentou um crescimento de 6% em relação a 2022, em registro de letalidade violenta, que abrange homicídio doloso, roubo seguido de morte, lesão corporal seguida de morte e morte por intervenção de agente do estado. Somente no primeiro bimestre, foram contabilizadas 768 mortes, sendo 405 delas no segundo mês do ano. Os registros mensais somam um aumento de 12% comparado a 2022. As informações são do Instituto de Segurança Pública (ISP).
Ramón Díaz se pronuncia
Em entrevista coletiva após o empate diante do Bahia, na Arena Fonte Nova, o treinador cruz-maltino Ramón Díaz fez um pronunciamento sobre a proibição de público em São Januário. “Nós queremos jogar no nosso campo. Todas as outras equipes jogam em seus campos, mas nós, não. Por que? Também queremos jogar em casa, com nosso público. Hoje vocês viram todas as pessoas que vieram, muitas pessoas. Queremos jogar no nosso campo. Que acabem com essa suspensão. Todo mundo pode jogar em seu campo, e nós, não. E temos torcida para encher três estádios, que nos deixem jogar na nossa casa, por favor”, apelou o comandante.
O Clube vem tentando recorrer à decisão do Ministério Público. No entanto, ainda não há sucesso na revogação da medida. Por enquanto, a equipe está impedida de utilizar o Maracanã, no jogo contra o Fluminense, dia 16 de setembro, uma vez que o estádio estará em preparação para receber a final da Copa do Brasil, que acontece no dia 17 de setembro, entre Flamengo e São Paulo.
Outro dado importante para o assunto é a análise de acesso ao lazer da população brasileira. De acordo com levantamento do IBGE, publicado em 2019, 44% dos pretos e pardos vivem em cidades sem cinemas, contra 34% da população branca; 37%, em cidades sem museus, contra 25% dos brancos. Limitar o acesso a um estádio de futebol cercado por uma comunidade, é impedir que esta parte da população possa fazer usufruto do direito ao lazer, previstos entre os artigos 6º e 215 da Constituição.
Estamos testemunhando a história. Uma sociedade na qual o promotor e os desembargadores ficam inertes diante da recorrente depredação de um patrimônio público por uma torcida, mas processam, julgam e condenam sem fundamento legal uma instituição por estar próxima a uma favela,…
Não é só com o Vasco
No dia 1º de abril de 2023, o fotógrafo e cinegrafista Thiago Leonel Fernandes da Motta, torcedor declarado do Fluminense, foi assassinado nas proximidades do Maracanã. O diretor de fotografia e Bruno Tonini Moura, gravemente ferido no acontecimento, foram alvos de 10 tiros, disparados por Marcelo de Lima, após uma discussão motivada por assuntos políticos. O crime aconteceu logo após a primeira partida de decisão entre Fluminense e Flamengo pelo Campeonato Carioca.
É no mínimo raso assumir que, em uma cidade cuja população registra 6.211.423 pessoas, 17,3% de violência (de acordo com dados do G1) e 9,1% de desemprego (segundo a Pnad Contínua, do IBGE, em dados compilados pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação – SMDEIS), o problema está concentrado em uma comunidade que cerca um dos estádios mais conhecidos do Rio de Janeiro. A medida parece restringir apenas uma pequena parcela da população ao acesso ao lazer e ao manifesto, antes liberado, pela paixão ao futebol e à camisa de seu time.
De acordo com o Art. 144 da Constituição Federal, a segurança é um dever do Estado, e responsabilidade de todos. Logo, garantir a dignidade e o direito de ir e vir da população é uma missão designada a órgãos governamentais do país, que se encontram muito distantes da Barreira do Vasco. A comunidade, por sua vez, deveria estar sob a custódia dos órgãos de segurança e lazer. Estipular uma medida que impede torcedores de comparecerem a São Januário e apoiarem o time do coração, excluindo as variáveis do resto da cidade – e até mesmo do país – mais soa como uma tentativa de isolamento social, do que preocupação com a segurança e bem-estar públicos. Mais uma vez, a Barreira resiste.
Respeito, igualdade e inclusão. O que aconteceu na barreira hoje foi mais do que um ato para matar a saudade da nossa casa. NÃO VÃO NOS EXCLUIR, A BARREIRA RESISTE!
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Bolavip Brasil ou da Futbol Sites