O futebol feminino brasileiro tem convivido com um cenário cada vez mais preocupante fora das quatro linhas. Em meio ao avanço das mudanças climáticas, jogadoras seguem entrando em campo nos horários de maior incidência solar, o que especialistas classificam como um risco direto à saúde e ao rendimento esportivo. O tema ganhou ainda mais força no fim de novembro, quando, enquanto a COP30 discutia o futuro climático do planeta, Cruzeiro e América decidiam o Campeonato Mineiro Feminino às 15h. A situação simboliza o contraste entre o debate global e a prática cotidiana da modalidade. Médicos, atletas e pesquisadores alertam para a urgência de mudanças estruturais. A saúde das jogadoras passa a ser pauta central no desenvolvimento do esporte.

O Campeonato Mineiro Feminino de 2025 escancarou o problema dos horários. Das 21 partidas disputadas, 17 foram realizadas às 15h, justamente no período de maior radiação ultravioleta. Houve ainda jogos às 10h e 11h, e apenas uma partida ocorreu à noite. A escolha desses horários se repetiu ao longo da competição, vencida pelo Cruzeiro, e reforçou a crítica de especialistas. A lógica de calendário e transmissão acabou se sobrepondo à preservação física das atletas. Para quem atua em alto rendimento, a exposição constante se torna um fator de desgaste adicional.
A dermatologista Rafaella Costa, mestre em infectologia e medicina tropical pela UFMG, explica que os danos vão além do desconforto momentâneo. “Quando pensamos em índice de radiação ultravioleta, temos dois tipos: UVB e UVA. Ambas são danosas à pele”, afirmou. Segundo ela, partidas às 15h ainda pegam o fim do pico do UVB e uma alta carga de UVA. “São horários ruins do ponto de vista de saúde da pele”, destacou. A médica alerta para queimaduras, desidratação e agravamento de doenças dermatológicas no curto prazo. No longo prazo, o risco envolve câncer de pele, incluindo melanoma, considerado grave.
Prevenção existe, mas não resolve o problema estrutural
Embora o uso de protetor solar, hidratação constante e cuidados pós-jogo ajudem a minimizar danos, os especialistas defendem mudanças mais profundas. “O ideal é usar protetor solar todos os dias e reaplicar no intervalo das partidas”, explicou Rafaella. Ela ainda reforça a importância de produtos resistentes ao suor e da ingestão frequente de água. Apesar disso, a médica é categórica ao indicar outro caminho. “Se os jogos pudessem ser após às 16h ou à noite, quando a radiação ultravioleta é zero, seria o ideal”, afirmou. Para ela, a prevenção não pode substituir decisões organizacionais mais responsáveis.
Dentro de campo, as atletas confirmam o impacto sentido na prática. A goleira Camila Alves, do Cruzeiro, defendeu ajustes no calendário. “Jogar em um horário de 10h ou 14h nos cansa ainda mais”, disse. Já Gabi Zanotti, do Corinthians, relatou que o tema é recorrente no clube. “Sempre lutamos por melhores horários, mas a resposta é que depende da grade de transmissão da TV”, afirmou. A meio-campista destacou que o problema vai além de um clube específico. Para ela, a solução passa por uma mobilização coletiva das equipes da elite nacional.
Na Série A1 do Campeonato Brasileiro Feminino, os números confirmam a repetição do cenário. Dos 134 jogos disputados, 37 começaram às 15h, representando 27,61% do total. Ao todo, 54 partidas foram realizadas antes das 16h, período considerado crítico para a saúde. O Cruzeiro foi a equipe que mais atuou nesse horário, com nove jogos. Para Gabi Zanotti, isso compromete o nível técnico. “É humanamente impossível desempenhar e entregar um futebol melhor jogado às 10 ou 11 horas da manhã, ou às 15h”, declarou. A jogadora pede união dos clubes por mudanças concretas.
Crise climática amplia o desafio para o esporte
O agravamento da crise climática torna o debate ainda mais urgente. O meteorologista Lizandro Gemiacki, do Inmet, explica que o aquecimento global intensifica ondas de calor e eventos extremos. “Essa energia que sobra no planeta Terra vai ser transformada em fenômenos extremos”, afirmou. Segundo ele, mesmo acordos como o de Paris enfrentam dificuldades para conter o avanço da temperatura. Com mais calor, secas e radiação intensa, o futebol feminino se vê cada vez mais exposto. Enquanto o mundo discute soluções globais, o esporte precisa rever práticas locais para proteger quem está em campo.