Há cinco anos, a jornalista Lívia Laranjeira, do Grupo Globo iria à Colômbia para cobrir o que seria o principal jogo da história da Chapecoense. Pela primeira vez, o clube catarinense iria disputar uma final continental. A repórter, que havia sido escalada para cobrir o time de Chapecó contra o São Paulo e ficou na cidade catarinense. Ela inclusive esteve na memorável partida contra o San Lorenzo, esta, que sacramentou a vaga da Chape para a final da Sul-Americana.
”Passei a semana anterior ao acidente em Chapecó. Lá eu fiz o jogo da Chapecoense) contra o São Paulo, cobrindo o São Paulo, fui fazer o jogo e fiquei a semana inteira lá. Fiz o jogo da Sul-Americana contra o San Lorenzo, a segunda semifinal que garantiu a vaga na final pra Chapecoense. Passei uma semana em Chapecó antes de ir a Medellín fazer a final”, iniciou.
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Livia e sua equipe partiram um dia antes que a delegação e na data prevista para a Chapecoense chegar, eles foram à porta do hotel.
“Pouco antes do horário marcado para o pouso, fomos para a porta do hotel em que ficaria a delegação. Fiz uma última entrada ao vivo contando que o voo estava atrasado, mas deveria chegar a qualquer momento. A ideia era registrar a chegada, fazer entrevistas e voltar com todo o gás no dia seguinte. Mas esse só foi o começo de um dia que parece ter durado semanas na minha cabeça”, conta a jornalista.
Lívia disse que estava preocupada com o atraso do voo da equipe brasileira e que foi um brasileiro, responsável pelo traslado da equipe em solo colombiano, quem contou que a aeronave tinha perdido o contato com a torre de controle.
“Na hora pegamos um táxi e fomos para o aeroporto. Mas nem sabíamos exatamente o que tinha acontecido. Podia ter sido só um pouso forçado, quem sabe? As primeiras notícias que chegavam do local do acidente falavam em vários feridos, e decidimos desviar o caminho e ir direto para um hospital da região”, relata emocionada.
Já no hospital veio a notícia. Neste momento, Lívia relata o que sentiu, um misto de desespero, preocupação em relatar tudo corretamente, sem dar notícia não verificada e pensando em todos, principalmente nas famílias.
“No momento em que entendi que, de fato, o avião tinha caído foi que me descobri mais jornalista. Senti a responsabilidade do meu trabalho. Naquela noite, a diversão virou tragédia, e eu e minha equipe éramos os únicos jornalistas brasileiros ali. Só pensava que não podia errar. Eram as vidas das pessoas, não era mais futebol. Tenho flashes do que aconteceu naquele dia, mas é como se eu não estivesse no meu corpo. Foram quase 20 horas no ar. Estava esgotada, não comi, não dormi, mas não sentia fome, não sentia sono. A exaustão era psicológica“, diz a jornalista que pensou em ter dado uma notícia errada, ao vivo.
“Um momento que me marcou foi quando um dos sobreviventes, o Rafael Henzel, jornalista da Rádio Oeste Capital, de Chapecó (SC), chegou ao hospital. Entrei no ar e dei a notícia. Falei algumas vezes aquele nome até que um policial colombiano disse que a informação estava errada, que aquele era o Rafael Valmorbida. Me mostraram até o passaporte dele. Entrei em pânico. Sofri muito, pensava que aquela família tinha ficado aliviada e agora eu teria que desfazer o mal-entendido. Só depois descobri que o Rafael adotou o sobrenome da avó como nome artístico”, relembra que ficou aliviada.
“Fui para a Colômbia ficar cinco dias, mas fiquei 12. Quando voltei para casa, não tinha condições de trabalhar. Pensava ‘como é que eu vou fazer um treino de um time e falar de um jogador que está suspenso porque recebeu cartão vermelho? Que importância isso tem?’. Mas a beleza da vida é justamente essa, que ela continua. É lindo ver, hoje, cada um dos sobreviventes trilhando novos caminhos. Meu trauma nem se compara ao deles, mas também tive que passar por esse processo de redescoberta”, afirmou.
Também por essa questão logística, voaria direto de lá para Medellín. Ir no voo do clube chegou a ser uma opção. A jornalista disse que se sentiu decepcionada em saber que não iria no mesmo voo com os demais jornalistas, que estariam no avião da delegação da Chape.
“Eu e minha equipe ficamos frustrados de saber que a imprensa toda estaria no voo com os jogadores e a gente não. Tínhamos dúvidas se ficaríamos um pouco atrás em relação aos colegas. Viajando com o time, você já vai apurando algumas histórias, e pensei nisso quando viajei antes de todos para Medellín. Aí depois acontece tudo aquilo e demora pra cair a ficha”, contou.
Livia permaneceu em Medellín após o desastre, e cobriu a partida dos corpos da Colômbia, não a chegada deles ao Brasil. Assim, seu relacionamento com a tragédia se deu muito a partir do carinho, cuidado e solidariedade do povo colombiano.
“Taxistas não aceitavam pagamentos quando viam que éramos brasileiros indo para a funerária. No dia do cortejo fúnebre, colombianos nas ruas aplaudiam os carros e nos abraçavam. Os colombianos nos pegaram pela mão”, recorda Lívia.
Lívia, como muitos jornalistas, voltou a Chapecó em 2017, para cobrir, entre outras coisas, a Recopa Sul-americana.
“Era outra cidade. As pessoas tinham outro semblante”, define a repórter, para quem a cobertura do desastre foi transformadora para a vida e a carreira.