Quem sempre espera pelo mês de outubro para assistir a produções de suspense e terror nos streamings já está comemorando: o mês todo, praticamente, é voltado para esse gênero. Mas, no caso desse filme que está estreando na Netflix, é um terror psicológico, subgênero que muita gente gosta, como se nota pelo sucesso de Round 6 na plataforma.
Trata-se de “O Fio Invisível”, um filme baseado no livro de Samanta Schweblin lançado em 2014. A autora co-escreveu o roteiro ao lado da diretora peruana Claudia Llosa. A história começa como drama, evolui como suspense e finaliza como um terror psicológico dos bons. Além de tudo isso, ainda mistura questões espirituais com uma preocupação ambiental que é bem interessante.
Neste longa-metragem, diretora e escritora exploram a questão psicológica que afeta principalmente aquelas pessoas que já têm filhos: imagina você criar uma pessoa que depois você já não reconhece mais? Esse é um dos maiores pavores da maioria dos pais: os laços entre pais e filhos sendo cortados, não havendo nada que os usa, essas coisas. É material pesado para um filme de terror, não é?
Mas esse filme mistura essa temática com outra, que também é pertinente aos dias de hoje, com o mundo inteiro se preocupando com o aquecimento global e preservação do planeta. O filme faz questionamentos bastante pertinentes a respeito dos perigos que a poluição industrial tem causado ao meio ambiente.
Na história, a gente conhece Amanda, uma mulher que está traumatizada e longe de casa. Um menino chamado David começa a fazer perguntas a ela, tentando fazer com que ela recupere a memória. Só que tem uma coisa: ela não é mãe dele, e ele não é filho dela. O tempo tá passando e se esgotando, então ele tenta ajudar Amanda a desvendar uma história impressionante que envolve ciúme obsessivo, um perigo invisível e claro, a força do amor de uma mãe.
Atuações são o ponto forte
Boa parte da força de um filme como esse precisa vir das atuações. María Valverde é a responsável por dar vida a protagonista, Amanda, a mulher que saiu da Espanha para o Chile para passar o verão na casa de sua família. Para quem é atento aos lançamentos da Netflix, é a mesma atriz que estreou outra produção do streaming há poucos dias, chamada “Somos Canções”, além de ter participado de um filme de Ridley Scott, “Êxodo: Deuses e Reis”, em 2014.
Ela é a narradora do filme ao lado de David, interpretado por Emilio Vodanovich, que tem nesse filme o seu primeiro grande papel de destaque, aparecendo antes em outas produções Netflix, como “La Misma Sangre”, de 2019, mas em papel de pouco destaque. Os dois conseguem uma união interessante aqui, mesmo com todo o estranhamento que o relacionamento deles causa no começo. São os dois que dão o tom do filme e fazem com que ele melhore a cada minuto.
O filme também vai mudando conforme as lembranças de Amanda vão sendo reveladas no vai e vêm do filme, como quando conhecemos sua filha, Nina, interpretada por Guillermina Sorribes Liotta, e também a simpática vizinha Carola, papel de Dolores Fonzi, que passa pelo agradável lugar onde estão hospedadas trazendo baldes de água, já que o que sai da torneira nem sempre é seguro para beber. Amanda e Carola tornam-se amigas rapidamente, cada uma delas admitindo suas ansiedades sobre a maternidade.
Amanda, por exemplo, sempre exemplifica a sua preocupação para o caso de alguma coisa ruim acontecer com sua filha ao calcular a tal “distância de resgate”, que determina se ela está perto o suficiente da menina para alguma emergência. O nome do filme em espanhol é, inclusive, “Distância de Resgate” — no fim das contas, “O Fio Invisível” acaba sendo mais atrativo mesmo.
Questões da maternidade
Falar mais sobre como Amanda e David se encontraram é um spoiler gigantesco que a gente não quer dar aqui, mas o que determina a parte “sobrenatural”, digamos assim, podemosfalar: Carola comenta com Amanda, em determinado momento, que David quase morreu ao beber água venenosa vinda do rio. Ela, então, pediu para a curandeira local, interpretada por Cristina Banegas, para salvar a vida dele. A forma encontrada foi migrar metade da alma dele para outro corpo, para que fosse possível retirar o veneno de forma parcial.
Aí entra o anseio da maternidade que preenche a outra parte do filme: o medo de não reconhecer mais o filho. Carola diz que David deixou de ser a criança que era, e ela não o reconhece mais como o menino amoroso que sempre foi, mesmo que não tenha se arrependido das atitudes que tomou para salvar a vida dele.
O bom do filme é que ele nunca explica nada, deixando a gente, que tá assistindo, descobrir tudo conforme a história avança. Não dá pra saber, por exemplo, se a conversa entre Amanda e David é algo sobrenatural ou algo que ela imagina, assim como a história envolvendo a água do rio também é colocada aqui de maneira orgânica.
Tanto pela temática quanto pelas atuações, é um filme que vale a pena principalmente para quem gosta de histórias que fogem do habitual. “O Fio Invisível” pode desagradar algumas pessoas justamente por não ser óbvio, mas quem fica até o fim e presta atenção no enredo como um todo pode se sentir recompensado com a cena final, que também faz questão de fugir do óbvio.