“Não Olhe Para Cima” pode não ter sido o sucesso esperado nos Estados Unidos — basta ver a nota do longa no prestigioso Rotten Tomatoes — apesar de seu elenco estrelado. No entanto, aqui no Brasil, o filme não demorou para viralizar, já que na temática e na representação, está muito próximo do que vivemos nos últimos anos, politicamente falando.
O sucesso do trabalho dirigido por Adam McKay se deve aos paralelos que podem ser feitos a partir da premissa: no filme, dois cientistas (Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence) descobrem um cometa enorme vindo em direção à Terra, e que tem o potencial para aniquilar o planeta. Eles procuram a presidente dos Estados Unidos (Meryl Streep), que faz pouco caso; procuram a imprensa (Tyler Perry e Cate Blanchett) que não os leva a sério.
O desespero latente nos personagens de DiCaprio e Lawrence com o negacionismo científico e a tendência da imprensa em “dourar a pílula” encontrou eco nos brasileiros que passaram um sufoco e tanto durante a pandemia do novo coronavírus. A intenção do diretor era fazer um paralelo com o aquecimento global, mas a covid-19 tratou de ressignificar a história inteira — e encaixou direitinho.
Acontece que, por aqui, o pessoal da extrema-direita (sim, aquela) tem usado as redes sociais para tentar ressignificar “Não Olhe Para Cima”. Como se o filme tivesse a intenção de enaltecer os anti-vacinas, por exemplo, e glorificar cientistas que endossaram o “kit covid” com cloroquina e azitromicina. É um fenômeno singular: ou trata-se de mau-caratismo ou uma profunda defasagem de interpretação.
O filme de McKay não deixa nenhum traço de dúvida quanto aos alvos de sua zombaria. Chega a ser engraçado como muitos interpretam da forma como querem e de acordo com seus interesses, como notáveis apoiadores de teorias anti-científicas e de governos de tendências autoritárias. “Não Olhe Para Cima” pode ter seus defeitos como obra cinematográfica, mas acertou em cheio ao mexer com essa gente, que precisou fazer malabarismo retórico para fingir que não era com eles.