Em 2020, quando estávamos ainda no auge do primeiro pico da pandemia da covid aqui no Brasil, a Globoplay estreou uma das séries originais mais esperadas pelo público: Desalma chegou arrebentando e praticamente inaugurando o pós-terror no Brasil. Esse movimento que começou no meio dos anos 2010 é hoje reconhecido com filmes como A Bruxa, do Robert Eggers, Hereditário e Midsommar, os dois do Ari Aster, entre outros tantos que seguiram a mesma linha.

Fabio Assunção em cena da segunda temporada de Desalma
© Reprodução/GloboplayFabio Assunção em cena da segunda temporada de Desalma

Veja a crítica em vídeo:

É claro que foi um sucesso não só por causa da história escrita de forma extraordinária pela autora Ana Paula Maia e da direção artística do Carlos Manga Jr. É o apelo que esse tipo de enredo tem junto ao público e que raríssimas vezes houve um representante feito aqui no Brasil. Por isso, não demorou para que houvesse a confirmação da segunda temporada, que está estreando agora na plataforma.

Cássia Kis volta a dar um show em Desalma – Foto: Globoplay

O ano agora é 2019, e três décadas se passaram desde que Halyna (Anna Melo) morreu na noite da celebração de Ivana Kupala, tradicional festa pagã e uma das principais comemorações do calendário eslavo, apresentada na primeira temporada da série. Desde então, a vida de sua mãe, Haia (Cassia Kis), nunca mais foi a mesma. A bruxa, que viveu para planejar vingança contra os responsáveis pela morte da filha, nesta temporada, conseguirá vê-la de novo.

Após um ritual repleto de misticismo e complexidade, Haia e Halyna estarão juntas novamente na fictícia Brígida, uma colônia ucraniana no Paraná. Ao lado da mãe, a jovem deve finalizar uma missão na Terra e acertar pendências do passado para seguir sua trajetória em outro plano. É no corpo da Melissa (Camila Botelho) que Halyna retorna.

Novos e antigos

Esse e outros segredos do passado e espíritos possessores movimentam a cidade, que será palco de marcantes eventos sobrenaturais. Duas outras moradoras terão sua força e sanidade colocadas à prova: Ignes (Cláudia Abreu) e Giovana (Maria Ribeiro). Suas trajetórias e a de seus familiares se entrelaçam com a saga de Haia em uma história repleta de surpresas, revelações e eventos enigmáticos… Com uma certeza: as consequências de alguns atos podem levar anos, ultrapassar dimensões, mas, inevitavelmente, acontecem.

Fabio Assunção entra para o elenco de Desalma – Foto: Globoplay

Outra pessoa reaparece em Brigida. Mykhaila (Malu Galli), a irmã de Haia, retorna à cidade após anos, trazendo à tona muitas revelações. Ela é uma bruxa experiente, que carrega um sentimento de culpa e a sombra do terror de momentos assustadores que viveu anos atrás ao ter de fugir às pressas da cidade para não ser queimada na fogueira e deixou para a irmã cuidar e criar o pequeno Pavlo, que atualmente é policial na cidade.

Como você pode notar, a segunda temporada de Desalma dobra a aposta no enredo enigmático e várias histórias entrelaçadas para criar um clima quase opressivo, em uma cidade praticamente monocromática, deixando quem assiste bem nervoso conforme os episódios vão avançando. E as coisas pioram ainda mais com a chegada de Traian, interpretado pelo Fabio Assunção.

Personagens com profundidade

Traian é um antigo bruxo que carrega em si uma maldição. A cabeça dele, que estava enterrada na floresta, é encontrada e vira objeto de estudo e pesquisas no IML da cidade. Ela chama a atenção pelo seu ótimo estado, o que gera ainda mais curiosidade e perplexidade em todos. O suspense aumenta quando o corpo de Traian simplesmente desaparece e ele revive, indo em busca de Haia para um acerto de contas que começou há mais de cem anos.

As três protagonistas de Desalma – Foto: Globoplay

E essa aposta da autora dá muito certo. O que a gente vê nos episódios dessa temporada que há um aprofundamento dessa aura de mistério que envolve a cidade e os personagens. Por mais que as conexões entre eles fiquem ainda mais complicadas, quem assiste não se sente perdido porque tudo é colocado na tela de uma forma que não dá nó na mente de ninguém.

É um mérito tanto da autora quanto da equipe de direção, que poderia cair nas armadilhas que muitos filmes norte-americanos possuem, por exemplo, de querer encher a história de personagens, mas não desenvolvê-los de forma que o público possa entender o que acontece com eles, para onde eles vão e o que querem.

Elenco dá um show

Nessa segunda parte de Desalma a gente tem também um trabalho grandioso do elenco. Cássia Kis mais uma vez mostra porque nasceu para interpretar esse papel, dando a Haia o peso certo: suas atitudes no presente são reflexos das situações que aconteceram com ela no passado, e que mostra não ter medo de usar seus conhecimentos para ter o que quer, atingir os seus objetivos. É um trabalho de mestre que elaapresenta, e é ótimo poder observar a atriz em projetos como esse.

Claudia Abreu também tem uma evolução nessa segunda temporada, onde a sua personagem aparece mais forte do que na primeira, em que ela era mais reativa às coisas que estavam acontecendo em sua família e na cidade na totalidade. Seu personagem tem mais importância na história, ainda mais com as questões ligadas a seu irmão, que nós não podemos contar para não dar spoiler. Assim como ela, a Maria Ribeiro também cresce, e da mesma forma que a personagem da Claudia, surge mais forte ao abraçar o sobrenatural que antes ela parecia negar o tempo todo.

As novas adições ao elenco também foram muito bem escolhidas: Malu Galli aparece na história para explicar muita coisa que aconteceu com ela e com a Haia, mas não serve apenas como uma coadjuvante, tendo destaque principalmente nos momentos finais da temporada. Fabio Assunção, por sua vez, é um achado: é o ator certo para o papel certo. O Traian que ele interpreta aqui tem sua origem descendente da mitologia do Vârcolac, que é uma crença romena específica daquele país, segundo a autora afirmou em entrevista. E o ator consegue ser forte e, ao mesmo tempo, sutil na criação e desenvolvimento do personagem e na sua ligação com os outros habitantes da cidade, em especial Haia. O que ele faz aqui é impressionante, e mostra como ele é um ator formidável.

A segunda temporada de Desalma consegue, em muitos aspectos, superar a primeira por conta do emaranhado de situações que vão tornando a história mais complicada, mas ao mesmo tempo mais interessante para quem assiste. Se você gosta de enredos sobrenaturais, mas que exigem atenção e concentração, aqui você vai encontrar o que procura. Com ótimos atores, uma direção que não fica devendo nada para produções de fora e um roteiro bem escrito, essa temporada é simplesmente imperdível.