Em “Pantanal”, Gabriel Santana dá vida ao contraditório Renato, filho de Tenório (Murilo Benício) e Zuleica (Aline Borges). Embora seja detestado por boa parte dos telespectadores, o personagem é rico em camadas e o ator entrega profundidade. O intérprete do irmão de Roberto (Cauê Campos) e Marcelo (Lucas Leto), inclusive, não o encara exatamente como um vilão

Gabriel Santana é um sucesso na pele de Renato na novela Pantanal.
© Fotos: Divulgação/Carlo Locatelli e @DellSanthosagenteGabriel Santana é um sucesso na pele de Renato na novela Pantanal.

 

O artista explica que entende a raiva do público com o herdeiro do fazendeiro, mas deixa claro que também enxerga a parte humana. “Eu acho que, enquanto ator que interpreta personagens, se eu o encarar como vilão, eu acho que eu vou acabar desumanizando o personagem. O Renato não se vê como um vilão, então eu acho que se eu enxergar como um vilão para interpretá-lo, eu o deixaria com menos camadas, menos profundidade e menos humano”, diz ele, em entrevista ao Bolavip Brasil

Eu acho o personagem do Renato muito humano, muito humano mesmo, com as suas fraquezas, com as suas falhas de caráter, seus preconceitos, seu machismo, mas mesmo dentro disso tudo ele é um humano. Então eu não o enxergo como um vilão, o telespectador eu acho justo enxergar o Renato como vilão, eu acho que isso traz uma riqueza, uma beleza para o personagem, sabe? Um personagem que por muitos pode ser visto como vilão, por outros pode ser visto como uma consequência da sociedade que a gente vive, e que de toda forma é entendível, dá para criar uma empatia e dá para reverter o como o personagem é enxergado”, complementa. 

Gabriel, aliás, teve tempo para estudar e se aprofundar no papel, visto que recebeu a maioria dos capítulos antes mesmo da estreia do remake. “Foi uma grande oportunidade, porque antes da novela estrear, a gente já estava com a maioria dos capítulos, então de fato foi uma novela que a gente teve a possibilidade de estudar o arco dramático inteiro do personagem”, declara. 

Bastidores da cena de Pantanal com a onça Maria Marruá 

A morte da onça Maria Marruá, assassinada por Renato, já é considerada uma das cenas mais emblemáticas da novela. Santana, no entanto, conta que não houve interação com o animal, diferentemente do caso de Cauê Campos e Rafael Sieg, que chegaram a contracenar com uma sucuri. 

“Infelizmente, a gente [Gabriel e Murilo Benício] não teve a presença da onça. Como a onça é um animal silvestre, precisa de toda uma preocupação para gravar com uma onça que é um animal selvagem, um predador (...) Então na verdade a gente tinha que olhar para o nada, algumas vezes a gente olhava para o nada e fingia que a onça estava ali, interpretava com uma onça imaginária, em outros momentos a gente gravava com alguém segurando um boneco de onça, e a gente interpretava diretamente com o boneco”, revela. 

Relação com a arte

Ao contrário de Renato, Gabriel é dócil, bem-humorado, gosta de poesia e possui todas as características que um artista deve ter. Ao Bolavip Brasil, o ator destaca que “poetas são os profetas da nossa sociedade” e confessa que gosta “desde clássicos a pessoas que eu acho que um dia se tornarão clássicas”, como Pedro Salomão. 

Eu acho que dentro da arte, como um todo, existem muitas poéticas, muitas estéticas de poesias, acho que um texto de teatro é pura poesia estando bem escrito, poetas são os profetas da nossa sociedade. Música é pura poesia, então eu amo poesia, mas livros que fazem diretamente o uso da poesia, como forma estrutural gramatical como a gente conhece também, eu amo”, pondera. 

Santana também cita a responsabilidade e ética que precisou ter por começar cedo na profissão, especialmente ao integrar o elenco de “Chiquititas” na adolescência, mas garante que sempre encarou como um hobby e, por isso, não se sentiu pressionado. 

É muito doido você pensar a galera que teve, os atores que tiveram o reconhecimento profissional muito cedo, é muito difícil a gente discernir o quanto a gente teve que amadurecer, o quanto de responsabilidade a gente teve que ter desde criança, porque sempre foi muito natural para gente, ou pelo menos para mim (...) Óbvio que eu sou muito realizado na TV, mas não só nisso que eu me realizo, eu me realizo no teatro, no cinema, no meu tudo, no meu compartilhamento das minhas ideias com meus amigos de profissão, com uma galera que admira o meu trabalho, então acho que é isso, nunca duvidaram de mim, mas eu sei que duvidam muito da classe artística”, finaliza. 

Entrevista completa com Gabriel Santana

Bolavip Brasil: Na cena da morte da onça Maria Marruá, você e o Murilo Benício realmente chegaram perto de uma onça? Como foi o processo de gravação dessa cena (processo da montagem e de segurança, se realmente havia uma onça ali)?

Gabriel Santana: Infelizmente, a gente não teve a presença da onça. Como a onça é um animal silvestre, precisa de toda uma preocupação para gravar com uma onça que é um animal selvagem, um predador, a Globo teve algumas diárias com a onça que eles fizeram mais no início da gravação, para essas cenas eles inclusive viajaram para fazer a onça isolada, mas para essa cena específica a gente não teve a presença da onça. Então na verdade a gente tinha que olhar para o nada, algumas vezes a gente olhava para o nada e fingia que a onça estava ali, interpretava com uma onça imaginária, em outros momentos a gente gravava com alguém segurando um boneco de onça, e a gente interpretava diretamente com o boneco. Porque quando o plano era geral, ou seja, um espaço muito amplo, aparecendo na câmera, a onça tinha que estar em algum espaço que estava vazio, então não podia colocar nada naquele espaço, porque depois ia colocar a computadorização. Então se tivesse o boneco ali para dar a referência da onça, seria mais uma complicação para depois, na pós, na montagem da cena, tirar a pessoa, tirar o boneco e colocar a onça, então eles preferiram não deixar as cenas no modo geral que tem um enquadramento muito grande, mostrando muita coisa, eles optaram por não deixar ninguém, e aí nos planos fechados, onde só está pegando o meu corpo e eu estou olhando para fora da câmera, para um lugar onde não está aparecendo, aí eles optaram por colocar o boneco. Mas foi uma cena superlegal, super gostosa de gravar, a direção ajudou muito, foi: ‘putz’, gravar com o Murilo é sempre bom.  

BV Brasil: Você vê o Renato como o maior desafio da sua carreira? Você enxerga o personagem como vilão?

Gabriel: Eu acho que, enquanto ator que interpreta personagens, se eu o encarar como vilão, eu acho que eu vou acabar desumanizando o personagem, acho que a proposta do Renato, o Renato não se vê como um vilão, então eu acho que eu enxergar como um vilão para interpretá-lo, eu deixaria ele com menos camadas, menos profundidade e menos humano, eu acho esse personagem, o personagem do Renato muito humano, muito humano mesmo, com as suas fraquezas, com as suas falhas de caráter, seus preconceitos, seu machismo, mas mesmo dentro disso tudo ele é um humano. Então eu não o enxergo como um vilão, o telespectador eu acho justo enxergar o Renato como vilão, eu acho que isso traz uma riqueza, uma beleza para o personagem, sabe? Um personagem que por muitos pode ser visto como vilão, por outros pode ser visto como uma consequência da sociedade que a gente vive, e que de toda forma é entendível, dá para criar uma empatia, e dá para reverter o como o personagem é enxergado, mas que as atitudes dele mudem ou o próprio personagem mude de uma forma geral. Eu acho que isso foi um grande desafio na minha carreira, sim, não sei se o maior, mas com certeza um grande desafio que eu acredito que o Renato vai ser um grande divisor de águas na minha carreira. 

BV Brasil: Muitas pessoas confundem o ator com o personagem. Você já passou por esse tipo de situação em relação ao Renato (na rua ou nas redes sociais)?

Eu acho que hoje em dia as pessoas conseguem separar melhor os personagens dos atores, antigamente tinha muito disso, hoje em dia ainda deve existir, claro, mas as pessoas quando me reconhecem na rua, conseguem separar bastante. Eles sempre falam: ‘nossa, o Renato, como eu odeio o Renato, mas pô, parabéns, você está mandando muito bem’. Então eu vejo as pessoas conseguindo separar bastante, e nas redes sociais de uma maneira geral também, o Twitter é um lugar onde falam bastante mal do Renato, mas eu vejo eles falando mal do Renato, não falando mal de mim. Inclusive, algumas vezes eu vejo, sim, eles falando do Gabriel, e eu os vejo falando justamente isso: ‘nossa, que ódio do Renato, parabéns, Gabriel, está conseguindo fazer um excelente trabalho’, então esse é o feedback que eu tenho tido no geral. Uma pessoa ou outra, acho que não dá para agradar gregos e troianos, nem Jesus agradou todo mundo, então é claro que uma pessoa ou outra faz um comentário falando que não gosta da minha atuação, e eu tenho que respeitar, né? Eu sei quem eu sou, eu gosto muito da minha trajetória, eu gosto muito do nível de atuação que eu tenho, sei que eu posso melhorar muito e vou melhorar muito, dá para melhorar muito, mas ninguém é obrigado a gostar do meu trabalho e eu tenho me dado bem com isso em geral.

BV Brasil: Como você foi escolhido para o papel do Renato e como você se preparou para viver o personagem?

Gabriel: Na época do teste para Pantanal, na época que eu fiz o teste, era uma época que a pandemia estava muito grande mesmo, foi lá para março do ano passado, fevereiro/março que eu fiz o primeiro teste, se não me engano, primeiro e único, e foi feito on-line, eles me mandaram o teste, eu gravei, um vídeo teste aqui de casa, do meu celular, e mandei. Eu lembro que passou três, quatro semanas, eu não fiz nenhum teste com diretor, nenhum teste a mais assim, aí eu falei: ‘putz, não é dessa vez, não foi dessa vez que eu passei’. Não estava mais nem preocupado, eu já tinha desencanado, eu achei que não tivesse passado para o papel, e aí do nada, quando eu menos estava esperando, eu fazendo outros testes, para outros produtos, o Dell Santhos que é meu agente chega e fala: ‘Gabriel, você passou para Pantanal’, aí eu falei: ‘caraca, legal’. Eu não estava esperando mesmo. E desde o começo ele já tinha me falado que o Renato seria esse personagem que começaria mais tranquilo, entre muitas aspas, mais mocinho, depois viraria um vilão, então eu tive bastante tempo para pensar em como eu ia fazer isso, quando os textos começaram a vir, eu fui estudando bastante texto, o comportamento do Renato, fui entendendo as motivações dele. Foi uma grande oportunidade, porque antes da novela estrear, a gente já estava com a maioria dos capítulos assim, então de fato foi uma novela que a gente teve a possibilidade de estudar o arco dramático inteiro do personagem. Normalmente a novela é uma obra aberta, então às vezes a gente não sabe como o personagem vai terminar, então dificulta a gente se planejar desde o começo, mas com o Renato eu consegui fazer isso. Então eu consegui fazer bem esse estudo de mesa, criar playlist para personagem, para entender a vibe do personagem, para poder entrar no clima do personagem, os encontros com a minha família, com os atores da minha família, muitas leituras de texto, com a preparadora… E acho que a construção do personagem termina depois que o ator grava a última cena, e chega em casa e: ‘pô, não tem mais nenhuma cena para gravar’. Infelizmente e felizmente ao mesmo tempo, felizmente porque você concluiu um trabalho e é muito bom, muito gratificante terminar um ciclo, mas ruim porque você terminou e você vai sentir saudade daquilo, mas eu ainda estou em preparação, eu ainda estou em criação de personagem por conta disso. 

BV Brasil: O Renato fica mais no núcleo do Tenório. Como é sua relação com o Murilo Benício e outros atores? Você também interage com Isabel Teixeira e Osmar Prado, por exemplo?

Gabriel: Sim, a maioria das cenas eu estou com a minha família [na novela], Murilo Benício, Aline Borges, Lucas Leto, Cauê Campos e a Julia Dalavia, e o nosso estúdio de gravação, onde a gente gravava com a fazenda Tenório, era no estúdio C, e a fazenda do José Leôncio e os outros cenários ficam no estúdio K, então de fato eu não tive muita interação com outras pessoas que não fossem do meu núcleo, o momento que eu tive mais oportunidade de interação foi justamente quando eu fui para o Pantanal, todos os atores ficavam na mesma fazenda, tinham cenas que eram gravadas na mesma locação, com vários núcleos diferentes, então às vezes eu gravava e tinha ou todos os núcleos ou o núcleo do que eu estava habituado a gravar, então o período que eu mais tive contato com os outros atores de fato foi na viagem ao Pantanal, que foi uma delícia, que foi: ‘nossa, sensacional’, para poder conhecer um pouquinho de cada um dos atores, porque eu só tive a honra de ficar duas semanas lá, e os atores ficaram três, quatro meses, então eu tive pouco tempo, então eu conheci um pouquinho só de cada um, mas foi muito bom conhecer cada um deles. E a Isabel Teixeira: ‘nossa, o que falar dessa mulher?’, eu só tenho elogios para fazer a ela, eu acho de fato o trabalho que ela fez em Pantanal, é uma referência de atuação, uma referência do ofício do ator, fenomenal. Eu acho que ela conseguiu com que a personagem dela ficasse marcada no tempo, assim como a Carminha ficou marcada no tempo, assim como outros atores conseguiram fazer, assim como o próprio Murilo Benício ficou marcado como Tufão… O Murilo Benício também, o que falar, né? Aulas, eu tive grandes aulas de atuação com ele só de vê-lo atuar, vendo as escolhas cênicas dele, então é isso, eu estou aqui só babando ovo dos outros atores porque é o que eu posso fazer, porque Pantanal de fato foi um lugar onde eu aprendi muito, foi um lugar onde eu tive a oportunidade de crescer profissionalmente, e não digo por conta da visibilidade, eu digo por conta da coisas que eu aprendi, óbvio que a visibilidade também foi surreal, mas só tenho a agradecer. 

BV Brasil: Se você pudesse escolher um final para o Renato, qual seria? Uma morte épica pelas mãos do Velho do Rio/sucuri ou um arco de redenção?

Gabriel: Se eu pudesse escolher um final do Renato, entre a redenção dele e ser morto pelo Velho do Rio, eu escolheria uma terceira opção, porque eu entendo a raiva do público querendo que ele morra, eu entendo as pessoas acharem que uma das opções seja a redenção dele, mas eu acho que a vida não termina quando a novela termina. E eu acho que a transformação do Renato ao longo da história, como um todo, foi de fato uma pessoa que estava querendo entender que ele vai virar um vilão ou não. Está naquele meio-termo assim, sem entender, eu acho que nem o Renato entende o caráter dele. Terá algumas cenas que ele se colocará em questão sobre de fato a índole dele. Eu acho isso muito bonito, então o final do Renato tinha que ser de fato ele entender se ele é um vilão ou não é, que as coisas que ele fez foram certas ou não foram certas, e aí eu acho que o final da história do Renato teria que ter sido contada em um Pantanal 2, a continuação direta, 20 anos depois, Pantanal fase 2, versão masterizada, e aí se eu pudesse fazer o Renato mais velho com seus 40 anos, aí eu acho que a gente descobriria o final do Renato de fato, o que ele se tornou ao longo da vida, porque acho muito simples querer determinar o final do personagem no final da novela. Eu acho que não é porque os personagens terminaram casados que eles vão ficar juntos para o resto da vida, não é porque os personagens terminaram mocinhos, que eles vão ser mocinhos pelo resto da vida, também vilões, a redenção é sempre interna. 

BV Brasil: Quando e como você decidiu ser ator? Você não se sentiu pressionado ou ouviu pessoas duvidarem da arte como profissão?

Gabriel: Eu comecei a ser ator muito sem querer querendo, porque eu tenho uma irmã mais velha, eu tenho 22 anos hoje e ela tem 26, e ela quando era menor, ela queria ser modelo de passarela. E a minha irmã é muito alta, ela tem os seus incríveis 1,60 m hoje (brincando) e para ser modelo de passarela, tem o requisito mínimo de altura, se não me engano mulher é 1,75 m e homem é 1,82 m, algo assim. Na época que a gente era criança, meu pai trabalhava, minha mãe parou de trabalhar depois que eu nasci para poder dar atenção para os filhos. E para realizar esse sonho da minha irmã, minha mãe a levou para algumas agências, as agências falavam: ‘não, modelo de passarela você não vai conseguir, mas modelo fotográfica a gente pode tentar’. E aí a gente entrou em algumas agências que eram picaretas, não eram boas, e aí a gente ficou alguns anos procurando uma boa, e aí a gente desistia, voltava para esse sonho, até que a gente achou uma boa. E eu não podia ficar sozinho em casa, a minha mãe acabava me levando junto, é aquele negócio, né, mesmo que a justiça materna faz para um filho, tem que fazer para o outro, mesmo se eu não quisesse, minha mãe ia querer que eu quisesse, o book, tentar estar ali na agência… E eu lembro que durante essa fase, foi uma fase que minha irmã viu que modelo fotográfica não era muito bem o que ela queria ser, e eu comecei a fazer alguns testes para os comerciais, fui passando, fui gostando de fazer, dava uma graninha e eu ajudando em casa, era divertido. Era cansativo? Sim. Mas eu sempre encarei aquilo como um hobby, nunca encarei como uma profissionalização da minha parte, como se eu fosse seguir aquilo como uma carreira, até que comecei a fazer comercial de fato, com 13, 12, uns 11 anos, e aí quando eu fiz 13 anos, surgiu a oportunidade para fazer teste na Chiquititas, e aí eu fiz, meus pais falaram: ‘Gabriel, você tem certeza de que você quer fazer esse teste? Porque é uma responsabilidade muito grande. Se você falar que você vai fazer, você tem que fazer até o final, não dá para desistir no meio, porque é uma questão profissional, uma questão ética, você tem certeza de que você quer fazer?’. E eu olhei, com 13 anos, entendendo o que eles estavam falando, mas também não entendendo. Falei ‘vou, claro, quero fazer o teste’. E aí eu fiz o teste, passei na primeira fase, passei na segunda, e fui aprovado. Ah, uma curiosidade, a produtora do elenco de Chiquititas, a Márcia Italo, foi a mesma produtora de elenco de Pantanal na primeira versão.A Márcia Italo fez a produção do elenco de Pantanal na primeira versão, nos anos 1990, e fez a de Chiquititas em 2013. A gente se encontrou agora, nesses últimos dias de gravação (de Pantanal), e ela foi lá para prestigiar a novela, a gente conversou e descobriu isso lá, e eu achei isso surreal, eu achei isso muito legal, muito legal mesmo. Aí eu fiz o teste e passei, e no meio de Chiquititas eu descobri que isso era o que eu queria da minha vida de fato, mas eu não senti muito essa pressão da galera falar que não, que a arte não era profissão, porque eu acho que existe um lugar de respeito em geral da sociedade com atores que fazem televisão, como só as pessoas validam o artista por ele estar na TV, e eu acho isso muito errado, porque ser artista é muito mais que estar na TV, ser artista é muito mais que estar em um papel de destaque, é o seu dia a dia, é sua atitude, o seu estudo, é como você enxerga o mundo, é como você faz a diferença mesmo, sabe? No micro e no macro. É óbvio que eu sou muito realizado na TV, mas não só nisso que eu me realizo, eu me realizo no teatro, no cinema, no meu tudo, no meu compartilhamento das minhas ideias com meus amigos de profissão, com uma galera que admira o meu trabalho, então acho que é isso, nunca duvidaram de mim, mas eu sei que duvidam muito da classe artística.

BV Brasil: Você ficou conhecido muito cedo, com Chiquititas. Você sentiu o peso da idade (precisou amadurecer mais cedo, por exemplo) ou você sempre lidou bem com isso?

É muito doido você pensar a galera que teve, os atores que tiveram o reconhecimento profissional muito cedo, é muito difícil a gente discernir o quanto a gente teve que amadurecer, o quanto de responsabilidade a gente teve que ter desde criança, porque sempre foi muito natural para gente, ou pelo menos para mim. Quando eu comecei a minha adolescência que foi com 13 anos, foi o mesmo período que eu comecei a trabalhar com arte, com uma estrutura muito grande do SBT, com profissionais, com psicólogos, com professora, com diretores, com escritores que estavam focados no público infantojuvenil, no tratamento com as crianças, então ali ao mesmo tempo que era um local de trabalho, era um local de diversão muito grande que exigia, estressava, mas era muito bom também. Sim, eu lembro de parar para pensar: ‘cara, eu tenho responsabilidades que meus colegas de sala de aula não têm’. De trabalhar, um compromisso, de ter que acordar cedo, às vezes não ir para uma festa para ir para o trabalho, mas eu sempre encarei isso de uma maneira mais natural, nunca me exigi muito mais do que precisava exigir, eu acho que eu absolvi de uma maneira muito natural mesmo, eu não sei ter uma outra vida que não é a vida pública, isso nunca me atrapalhou, nunca me impediu de fazer coisas, eu acho que ao contrário, me deu um discernimento muito bom, porque acho que às vezes o jovem faz coisas por impulso, faz coisas sem pensar, porque não mede as consequências, e desde criança meus pais me ensinaram, a minha profissão me ensinou que tudo o que eu fizer vai se tornar um exemplo, vai se tornar uma referência para quem gosta do meu trabalho, então sempre pensei muito nisso, acho que me fez muito bem. 

BV Brasil: Vi no Instagram um vídeo seu lendo poesia de um seguidor. Você é um fã de poesia e de livros? Se sim, quais são seus escritores favoritos? 

Eu acho que dentro da arte, como um todo, existem muitas poéticas, muitas estéticas de poesias, acho que um texto de teatro é pura poesia estando bem escrito, poetas são os profetas da nossa sociedade. Tem uma música de uma amiga minha, Loro Bardot, que fala: ‘profetas têm dedos caídos de profetizar’. Música é pura poesia, então eu amo poesia, mas livros que fazem diretamente o uso da poesia, como forma estrutural gramatical como a gente conhece também, eu amo. Eu gosto desde clássicos a pessoas que eu acho que um dia se tornarão clássicas, Pedro Salomão, tem vários livros de poesia, e uma poesia muito linda, muito profunda, ao mesmo tempo muito acessível, a linguagem para quem não tem muito contato com a poesia. Um ótimo livro para quem está começando é “Outros Jeitos de Usar a Boca”, foi um livro de poesia que eu aproveitei muito, não li inteiro, cada dia eu pegava e abria em uma página aleatória, e li o que o dia dizia para mim, o que o livro dizia para mim, que é Rupi Kaur, igual essa dos clássicos, o que é uma Clarice Lispector, um Drummond de Andrade, o que é um Islã, poesia preta, poesia visceral, poesia de favela, poesia é arte em palavras. Tudo o que sai da boca de um artista, acho que pode ser considerado uma poesia, desde que esteja contextualizado numa sintaxe contextual.